E Deus, por amor, mais uma vez

Será que nós nos perdemos,
ó minha Nossa Senhora,
nessa fria selva de pedra, 
e nesse ritmo tão frenético,
o teu dom da sensibilidade 
que é tão belo e tão criativo,
e que nos é tão necessário?
Sim, posto em nós por Deus,
visceralmente à flor da pele, 
para que nos tornemos solícitos,
e assim permaneçamos humanos,
seres afetivos e não indiferentes?
 
Por que, ainda que gritante,
tão cruenta e tão flamejante,
nós não contemplamos a dor, 
nos andares cabisbaixos,
nas posturas claudicantes, 
pelas calçadas e avenidas, 
nos ônibus e no metrô,
nas escolas, no trabalho?
Uma tristeza aguda profunda,
estampada e escancarada, 
em tantos rostos cansados,
sem o brilho característico,
dos filhos e filhas de Deus?
 
Quando nós vamos perceber,
mas digo, pra valer, é claro,
que os avanços tecnológicos,
e a busca do enriquecer econômico,
por mais importantes que sejam,
e até mesmo decisivos no mercado,
não são que realmente importa,
pois, não são o que nos humaniza,
o que descortina horizontes de sentido,
o que nos faz aprofundar no amar,
portanto, não é sinônimo de bem-viver,
nem de autêntica realização, felicidade?
 
E se esse grito de socorro,
esse silêncio tão estridente,
se revela e se mostra incapaz, 
de retirar nossos olhos do celular,
de interromper a nossa conexão,
e romper essas grades virtuais,
refinadas, mas verdadeira prisão,
colada na palma de nossas mãos,
será preciso, então, ó meu Deus,
lançarmos mão de um tapa na testa,
ou quem sabe o apertar o gatilho,
da overdose ou mesmo do suicídio,
para acontecer o necessário STOP, 
nesse trânsito louco e esfuziante,
nesse corre corre insano e diabólico,
nessas vidas tão banalizadas,
para curar tantas feridas abertas,
e essa abjeta indiferença geral?
 
E Deus, por amor, mais uma vez,
enviou ao mundo, o dom da beleza, 
cuja luz pode nos salvar das trevas:
multiplicou e espalhou aos quatro ventos,
os jardins e seus beija-flores a bailar,
os sorrisos das criancinhas a brincar,
os olhares de idosos a mirar o infinito,
as rodas de partilha da fé, arte e vida,
a luz do crepúsculo, irradiada no pôr do sol,
ou na aurora, quando, cada dia, amanhece,
e o brilho da lua e das noites estreladas.
Dá-nos, então, aquela sacudidela forte,
de um dia decididamente desconectados,
para renascer em nós o teu dom original:
o da sensibilidade solícita e criativa no amar,
que nos faz irmãos e irmãs na ciranda da vida,
entusiasmados e encantados com os desafios,
e as preciosas possibilidades de cada novo dia.

Belo Horizonte, 26 de agosto de 2024.
Poema oração brotado a caminho do trabalho, ao contemplar inúmeros rostos sombrios e entristecidos pela desesperança e falta de horizonte depois da vivência de mais um final de semana de rotina frenética e infértil de sentido maior para as buscas da vida humana.

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