Maldita a lama mal dita
que jorra da ganância por fácil e farto lucro
pois atropela a lucidez do bom senso ético
e devora os norteadores princípios da “com ciência”.
Maldita a lama mal dita
que exala das relações promiscuas e corruptas
pois compra, manipula e determina votos e eleições
e rasga as regras da lei e decide o teor dos “licenciamentos”.
Maldita a lama mal dita
que desnuda a grave doença da governança política
pois tem por guia a perpetuação no poder e a lógica do ter sobre o ser
e, “desumana”, torna-se incapaz de sentir perdas sociais e danos ambientais.
Maldita a lama mal dita
que corre das rompidas barragens da mineração
pois engole veredas e casas e seres e rios e bacias
e destrói, insensível, “tudo o que vê pela frente”.
Maldita a lama mal dita
que brota das bocas insanas, mesquinhas e imorais
pois falam de amor, de sustentabilidade e de ética
e desejam “apenas” manter os seus lucros perversos.
Edward Guimarães, João Henrique e Manuel Robério
Este poema nasceu na dor e no calor da experiência vivida no dia da visita ao local da tragédia crime anunciada do rompimento da Barragem do Fundão e, de modo impactante e impressionante, ao distrito de Bento Rodrigues. Não tinha como não sentir aquela dor aguda provocada pela indignação ética; fomos envolvidos pelo cheiro da tristeza dos sonhos despedaçados, pelas marcas da negligência esculpidas na lama da tragédia anunciada, pelo grito ensurdecedor do silêncio que tomou conta dos membros do grupo multidisciplinar Mineração e Correlatos, professores e professoras da PUC Minas, na memória a gravidade do alerta descrito no laudo ambiental de 2013, dois anos antes do crime da Samarco-Vale-BHP, em 5 de novembro de 2015, ano da publicação da Encíclica Ecológica Laudato Si’, do papa Francisco.
Este poema foi publicado no livro: GUIMARÃES, Edward; PEREIRA, Denise de Castro (Orgs.). Mineração e sociedade. Abordagens muldisciplinares sobre desafios e urgências à luz da tragédia da Bacia do Rio Doce. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2016, p. 19.
Foto: AP Felipe Dana.
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