Paciência histórica

Entre as virtudes mais necessárias que temos,
seja para o bom exercício ético da política,
seja para a vivência libertadora da religião,
pelos esforços hercúleos que de nós exigem,
de quem, com coragem, as almejam cultivar,
se destaca a virtude da paciência histórica.

Muitos de seu cultivo se afastam rapidamente,
e desistem já nos primeiros passos do caminho,
diante da dor e do sofrimento que experimentam,
tanto ao contemplar privilégios de classe a se perpetuar,
quanto pela violência praticada pelo poder opressor,
pois, é muito duro lidarmos com impotência e fracasso.

É duro aceitar certos resultados que emergem das urnas,
respeitar que a soberania pertence sempre ao povo,
mesmo quando este, por razões talvez inconscientes,
ou pela via das ideologias dominantes subliminares,
elege seus próprios algozes para exercer o poder,
não é fácil suportar a cruz dos retrocessos históricos.

É muito difícil manter acesa a chama frágil da esperança,
quando o que se experimenta são graves contradições,
constatar a nossa impotência ante a perda de oportunidades
para encetarmos juntos mudanças profundas e necessárias
em estruturas injustas controladas pelo poder econômico,
sim, não é nada fácil suportar a cruz dos retrocessos históricos.

Reconhecer a derrota da melhor alternativa em disputa,
a vitória das oligarquias opressoras dos mais vulneráveis,
saber que os privilégios históricos vis e perversos vão continuar,
contemplar a reeleição de corruptos que se perpetuam no poder,
mirar que estes são apoiados por nossas lideranças religiosas,
sim, tudo isso dói, dói agudamente lá no fundo de nossa alma.

Quando tudo isso está acontecendo em nosso país,
pelas vias legítimas de nossa tão frágil democracia,
meu Deus, é muito difícil continuar firmes na luta,
manter o ânimo necessário para as noites escuras,
para as lutas sempre infindas dos pobres por cidadania,
por isso te pedimos a luz e a força criativa da Ruah divina.

Sabemos que é a desafiante virtude da paciência histórica,
que sustenta a coragem dos Mandelas de ontem e de hoje,
que provoca a necessária indignação e o discernimento,
que suscita a alegria de celebrarmos pequenas conquistas,
que renova a teimosia da esperança de outro futuro distinto
mesmo cientes das longas travessias que teremos de percorrer.

Sim, não há caminhos fáceis para o novo que virá,
teremos que crer e perseverar nos caminhos íngremes,
como o da lenta educação de base, paciente e libertadora,
como o da longa formação da consciência crítica e autocrítica,
como o que é trilhado diariamente pelos movimentos populares
que labutam e teimam em caminhar com Jesus na contramão.

Desse modo, ainda mergulhados em profunda tristeza,
com dor e muito sofrimento agravados em nossa alma,
digamos em uníssono um não forte à tentação de cedermos,
de claudicarmos diante dessa experiência intensa de decepção,
reafirmemos, com teimosia profética e muita paciência histórica,
vamos continuar na peleja, a liberdade e a dignidade estão em jogo!

Edward Guimarães
Belo Horizonte, 29 de novembro de 2018.
No término das eleições no Brasil e com a vitória de Bolsonaro, inimigo do povo e da democracia.

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